
Ilustração: Ana Razuk
O velho tipógrafo lê o poema.
Procura concentrar-se, mas as ideias fogem. Deve compreender completamente o texto, para definir os tipos e expressar a atmosfera.
Aquelas palavras todas, o sentido diáfano, como uma tarde morna e o vento parado, e as frases lá mansas e leves.
Naquele dia sente uma premência, quer partir, aguarda a decisão da empresa, quer mudar.
O texto suave cai em suas mãos logo quando há exagero nelas. Aquelas palavras pedem serenidade, devem respirar nas margens amplas da página, almejam lirismo.
Então ele sacode a cabeça e executa!
Como quem assina uma folha em branco, compõe os tipos, separa cada letra das bandejas correspondentes, escolhe uma letra cursiva – mas seu desejo é usar uma letra serifada – define o tamanho da fonte para torná-la agradável aos jovens leitores. Mas ele anseia por grandes letras góticas, as agressivas. Naquele momento singular de sua vida, quer impactos.
Monta a primeira página do livro com capricho e traça a escrita com a rapidez de um mestre.
Está inquieto, mas o poema é contemplativo, deve vestir as palavras corretamente, não importa sua vida, nem seu momento tão particular.
Quando termina, teme.
Talvez fosse seu último trabalho naquela gráfica.
Ou o primeiro passo para o próximo.
Patrícia Rati